Nmero de trabalhadores no remunerados cresce 18,6% em um ano

Depois de quase dois anos trabalhando como auxiliar administrativa em uma empresa de tecnologia, Suellen Mendes Teixeira, de 24 anos, foi demitida em julho. Pouco antes, seu pai, Hernani da Silva, havia sido obrigado a dispensar uma funcionria do box do mercado popular da Rua Uruguaiana, onde vende roupas de ginstica e de praia. Desde ento, Suellen trabalha entre duas a trs vezes por semana na loja do pai. Mas sem remunerao.

— mais uma ajuda. Meus pais ajudam a comprar fraldas e leite para o meu filho, e eu ajudo na loja. Quando meu pai precisa sair da loja para resolver alguma coisa, agora sou eu e minha me que ajudamos. Meu marido tambm est desempregado, e est difcil conseguir outro emprego — afirma Suellen.

Seu caso exemplo de um fenmeno que j aparecia no ano passado, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad) 2014: o crescimento dos chamados trabalhadores no remunerados. Foram 397 mil pessoas a engrossar o grupo daqueles que trabalham pelo menos uma hora por semana, mas no recebem por isso. O nmero subiu de 2,127 milhes em 2013 para 2,524 milhes no ano passado. A alta, de 18,6%, a primeira desde 2004, que o incio da srie com os dados de todo o pas, inclusive a rea rural da Regio Norte. Os nmeros consideram as pessoas com 15 anos ou mais, que compem o mercado de trabalho, de acordo com o IBGE.

TENDÊNCIA SE MANTM ESTE ANO

A tendncia tambm aparece nos dados da Pnad Contnua de 2015. Nesta pesquisa, esse trabalhador chamado de familiar auxiliar, grupo que inclui apenas quem trabalha para ajudar algum de seu domiclio. Ou seja, no so considerados nesses dados ajudas a instituies religiosas, beneficentes ou de cooperativismo, nem mesmo os estagirios e aprendizes, como no caso da Pnad anual. As duas pesquisas tm amostras diferentes.

No terceiro trimestre deste ano, esse contingente de trabalhadores chegou a 2,652 milhes, o que representa um incremento de 58 mil pessoas em relao ao mesmo perodo de 2014, pela Pnad Contnua. O aumento foi de 2,2%, o que o IBGE considera como estabilidade.

Nos dados da Pnad 2014, o aumento ainda maior quando se incluem os trabalhadores na construo para o prprio uso e na produo para o prprio consumo: so 594 mil pessoas a mais, quase o mesmo contingente de novos desocupados na mesma comparao: 617 mil. Ao todo, eram 6,864 milhes de trabalhadores no pas em 2014, considerando os no remunerados, aqueles na construo para o prprio uso e na produo para o autoconsumo.

— O aumento dos trabalhadores no remunerados ocorre no contexto de crescimento da informalidade, da mesma forma que avanaram os trabalhadores por conta prpria. Embora 2014 ainda tenha registrado gerao de empregos, j havia sinais de deteriorao do mercado. O ano de 2014 foi o fim da linha — explica o professor do Instituto de Economia da UFRJ Joo Saboia.

Os dados da Pnad 2014 mostraram aumento de ocupados no pas: foram 2,741 milhes a mais. S que 82,7% dessas novas vagas (2,266 milhes) foram em ocupaes informais, sem proteo trabalhista: conta prpria, sem carteira assinada, no remunerados, trabalhadores na construo para o prprio uso e na produo para o prprio consumo.

— O aumento dos trabalhadores no remunerados compe o quadro negativo de deteriorao do mercado de trabalho em 2014 — refora o professor de Economia da PUC-Rio Gabriel Ulyssea.

Os trabalhadores no remunerados geralmente do apoio a outros integrantes da famlia. Pode ser um jovem que acompanha o pai eletricista quando ele presta servios em residncias, ou uma mulher que ajuda no negcio do marido, ou ainda quem trabalha em uma propriedade rural da famlia, por exemplo. A caracterstica comum a essas pessoas que elas no recebem salrio por esses servios.

— Se essas pessoas ocupadas sem remunerao fossem consideradas desempregadas, o desemprego seria maior. Pela classificao do Dieese, muitos desses trabalhadores no remunerados seriam includos no desemprego oculto, como trabalho precrio — afirma o diretor-tcnico do Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (Dieese), Clemente Ganz Lcio.

Quase um quarto — 73,9 mil de 397 mil — do aumento dos trabalhadores no remunerados entre 2013 e 2014 ocorreu na faixa entre 15 e 17 anos. Outra caracterstica: apesar de o maior contingente de no remunerados ser de trabalhadores agrcolas, o aumento foi concentrado fora das reas rurais. Dessas 397 mil pessoas, 287,5 mil, ou 73,5%, eram trabalhadores no agrcolas.

J as mulheres so maioria entre aqueles que trabalham sem receber e representam quase o dobro dos homens nessa condio. Em 2014, eram 1,665 milho de mulheres para 858 mil homens. Quando se observa a distribuio por estado, o Rio Grande do Sul aquele com maior contingente: 278 mil pessoas. Em So Paulo, o nmero passou de 116 mil em 2013 para 191 mil no ano passado, uma alta de 64%.

Com 24 anos, Gabriela Ribeiro j trabalhou em lojas como vendedora, sempre recebendo religiosamente seu salrio. Este ano, no entanto, comeou a ajudar a atender clientes no box do padrasto na Rua Uruguaiana, ao lado da me. Nenhuma das duas recebe salrio: o lucro com as vendas direcionado para os gastos da casa, que incluem a faculdade de Administrao de Gabriela.

— Eu estudo de manh e venho para a loja todos os dias depois da aula. S no venho aos sbados. Eu ajudo, e eles pagam minha faculdade — diz a jovem.

E esse aumento daqueles que trabalham sem ganhar dinheiro ocorre depois de um longo perodo de reduo nesse contingente de trabalhadores, na esteira dos avanos do mercado de trabalho na ltima dcada. Em 2004, eram quase cinco milhes de pessoas (4,968 milhes) trabalhando sem receber, o dobro do montante de 2014. O indicador registrou nove quedas consecutivas desde 2005.

— natural que esse grupo diminua ao longo de um perodo favorvel para o mercado de trabalho. E, efetivamente, isso ocorreu entre 2004 e 2013. A queda nesse perodo impressionante — destaca Saboia.

Fonte: O Globo / CNTC

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